Carta Aberta sobre discurso de ódio na Assembleia da República
Posted on: 17 Fevereiro, 2025Ex.mos Senhores,
Presidente da República, Dr. Marcelo Rebelo de Sousa,
Presidente da Assembleia da República, Dr. José Pedro Aguiar Branco,
Primeiro-ministro, Dr. Luís Montenegro,
Na sessão plenária da Assembleia da República, foram discutidas, no dia 13 de fevereiro, propostas direcionadas para a vida das pessoas com deficiência. Durante o debate, a Sra. deputada do Chega, Diva Ribeiro, afirma que “É curioso que a Sra. deputada Ana Antunes só consiga intervir em assuntos que envolvem, infelizmente, a deficiência”. Após as diversas intervenções que se seguiram como reação a esta acusação, sabe-se que, nos apartes, da bancada do Chega, foram feitos insultos a vários deputados e deputadas e chamaram “aberração” à Sra. deputada do PS, Ana Sofia Antunes.
O Centro de Vida Independente condena veementemente as acusações e os insultos dirigidos contra a Sra. deputada Ana Sofia Antunes, apenas por ser uma pessoa com deficiência. Estas afirmações constituem um ato de discriminação direta e objetiva, que resultam do capacitismo enraizado na sociedade, constituindo um crime de incitamento ao ódio e à violência, punível por lei, de acordo com o previsto no n.º 2 do Artigo 240.º do Código Penal.
De acordo com o lema do movimento de pessoas com deficiência, do qual a Sra. deputada Ana Sofia sempre fez parte, “Nada sobre nós sem nós”, é imperativo que estejamos presentes proativamente em todas as discussões cujos temas se relacionem com as nossas vidas, assim como qualquer outra identidade dissidente e marginalizada. A autoadvocacia e a autorrepresentação são valores fundamentais da filosofia de Vida Independente, que defende que as pessoas com deficiência devem ter a oportunidade de estar ativamente envolvidas nos processos de tomada de decisão sobre políticas e programas, incluindo aqueles que diretamente lhes digam respeito.
Ao longo das 5 décadas de democracia, foi notória a ausência das pessoas com deficiência do Parlamento português, principalmente mulheres com deficiência, o afastamento relativamente aos processos decisórios e o desencorajamento para candidaturas e eleição de deputados e deputadas com deficiência. Este episódio representa mais uma tentativa de nos silenciar e afastar da discussão política e, assim, da vida pública, promovendo a nossa exclusão e segregação.
A participação política, efetiva e plena, das pessoas com deficiência é um direito fundamental inscrito na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Estado Português em 2009. De acordo com o Artigo 29.º, os Estados partes devem promover ativamente um ambiente em que as pessoas com deficiência possam participar na condução dos assuntos públicos, sem discriminação e em condições de igualdade com as demais. Além disto, o terceiro Manifesto do European Disability Forum sobre os Direitos das Mulheres e Meninas com Deficiência reforça a urgência de garantir que mulheres com deficiência tenham acesso ao direito à participação na vida política, assim como de eliminar a violência contra as mulheres em contexto eleitoral e político.
Independentemente das crenças políticas, todas as pessoas presentes na Assembleia da República merecem ser tratadas com dignidade e respeito, de acordo com as regras fundamentais de um país democrático. A política deve ser um espaço de debate de ideias e propostas, nunca de ataques pessoais ou discriminatórios. Desta forma, condenamos também a postura neutra do Sr. Presidente da Assembleia da República, que permite todo o tipo de insultos e discriminação, ataques de ódio e outros casos, ao abrigo de uma suposta liberdade de expressão.
A impunidade perante uma situação de discriminação direta, que promove o ódio e a violência, em pleno debate político naquele que é o símbolo máximo dos valores democráticos, não só legitima este discurso fora dali, como normaliza e banaliza insultos e práticas historicamente associadas a comunidades segregadas, marginalizadas e mortas por regimes autocráticos e fascistas.
Nós, cidadãos e cidadãs, coletivos e entidades subscritoras desta carta,
Exigimos uma sanção efetiva para as pessoas responsáveis por este discurso inaceitável, assim como para todas as que contribuam, propaguem e adotem discursos capacitistas, racistas, fascistas, homofóbicos e sexistas na Assembleia da República.
Exigimos que a Assembleia da República adote um compromisso firme contra o capacitismo, implementando mecanismos que garantam um ambiente político verdadeiramente acolhedor da diversidade.
Continuaremos a ser voz ativa contra todas as formas de opressão! Por uma sociedade em que as pessoas com deficiência tenham a sua existência garantida, de forma digna e incondicional!