Plano Ferroviário Nacional

Posted on: 23 Junho, 2021

Sabemos, pelos relatos dos nossos sócios, e seguidores nas redes sociais, que o acesso aos comboios e estações é um grande problema na nossa luta pela acessibilidade plena.  

O Governo Português lançou uma iniciativa de participação pública para desenhar o futuro Plano Ferroviário Nacional. Esta iniciativa responde ao que nós defendemos: a participação pública antes de os planos serem desenhados e apresentados, de forma a responderem às reais necessidades das pessoas e as mesmas não serem consultadas posteriormente, apenas para picar o ponto. 

Neste sentido, o Centro de Vida Independente enviou um documento com contributos acerca do que acreditamos ser mais correto no que diz respeito ao acesso aos comboios, que podem, agora, consultar abaixo.

Contributos para o Plano Ferroviário Nacional 

Nós, cidadãos e cidadãs a viver com deficiência, em Portugal, temos sido alvo de práticas discriminatórias, diretas e indiretas, nas mais variadas formas, e reiteradamente excluídos/as da sociedade. 

Portugal viola, de forma recorrente, a Lei n.º 46/2006 que promete proibir e punir a discriminação em razão da deficiência e da existência de risco agravado de saúde. Também no artigo 9.º da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada integralmente por Portugal há 12 anos, pode ler-se:  

“Para permitir às pessoas com deficiência viverem de modo independente e participarem plenamente em todos os aspetos da vida, os Estados Partes tomam as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em condições de igualdade com os demais, ao ambiente físico, ao transporte, à informação e comunicações, incluindo as tecnologias e sistemas de informação e comunicação e a outras instalações e serviços abertos ou prestados ao público, tanto nas áreas urbanas como rurais. Estas medidas, que incluem a identificação e eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade, aplicam-se a: 

Edifícios, estradas, transportes e outras instalações interiores e exteriores, incluindo escolas, habitações, instalações médicas e locais de trabalho.” 

A acessibilidade aos transportes configura-se, então, como instrumental para o pleno exercício de direitos por parte das pessoas com deficiência, pois é através destes meios que várias pessoas se deslocam para diversos destinos, seja para o trabalho, para eventos de convívio ou lazer, por questões de saúde, entre outros. 

A dificuldade atual em aceder a meios de transporte tem repercussões diretas nas nossas potencialidades e no cumprimento de papéis enquanto cidadãos e cidadãs de pleno direito, o que nos priva do direito à liberdade de circulação e de viver em igualdade de circunstâncias em relação às demais pessoas. 

Paralelamente, as soluções de transporte, design, e serviços prestados não são desenhados conjuntamente com as pessoas com deficiência, mostrando-se, desta forma, desadequadas em relação às nossas reais necessidades. 

Saudamos o facto de este ser o primeiro Plano Ferroviário Nacional, mas sobretudo o facto de este ser desenvolvido ao contrário, ouvindo primeiro as pessoas, mesmo tendo havido inúmeras recomendações parlamentares no sentido de promover as condições dignas de acessibilidade na rede ferroviária nacional. Para nós, é importante aplicar ao plano o lema dos movimentos de pessoas com deficiência, “Nada sobre nós sem nós!”, de forma a que este seja um plano cuja ação seja verdadeiramente inclusiva. 

Generalidades 

Coprodução 

Após o plano, todas as ações dele resultantes devem ser desenvolvidas em coprodução com as pessoas com deficiência. O plano deve promover o envolvimento das pessoas com deficiência desde o início dos projetos de forma a torná-los inclusivos, promovendo também testes e outros métodos que permitam averiguar o quão inclusivos são. 

Diversidade nas empresas 

O plano deve promover a diversidade nas empresas e entidades do setor, envolvendo pessoas com deficiência nas equipas e  em diferentes níveis de decisão, seja como trabalhadores/as, como também especialistas nas matérias em desenvolvimento. 

Reforço da adoção dos standards internacionais existentes 

O plano deve implicar a adoção dos standards internacionais, especificamente os europeus, que digam respeito à acessibilidade e, por conseguinte, forçar a adoção das respetivas práticas no seu desenvolvimento e aplicação. 

Definir prazos fixos 

Devem ser definidos prazos fixos para a transição da situação atual para a acessibilidade plena na rede ferroviária nacional, em consonância com aquilo que já se encontra definido por lei. Após estes prazos serem estabelecidos, devem ser aplicadas as coimas estabelecidas na lei. 

Acessibilidade como critério para acesso a fundos 

Tal como noutros mecanismos europeus, os fundos alocados via Plano Ferroviário Nacional, sejam eles provenientes de fundos europeus ou nacionais, devem ter uma norma travão que impeça a sua utilização no caso de não estarem garantidas as condições de acessibilidade e inclusão necessárias e as referidas neste documento. 

Informação aos/às passageiros/as 

Todas as informações devem ser disponibilizadas de forma clara e precisa, incluindo em formatos acessíveis. Os/as passageiros/as devem ter acesso, sem restrições ou procedimentos desnecessários, a todas as informações necessárias para viajarem, sobre os seus direitos, sobre os espaços e veículos e sobre as condições de acessibilidade destes. 

Infraestruturas 

Nivelamento de plataformas a 900mm 

É extremamente importante definir que o standard para a altura das plataformas seja único, de forma a compatibilizar com todos os comboios, atuais e futuros, dentro daquilo que já está definido ao nível das normas europeias. A não-uniformização das plataformas colocará em causa a adoção de novas tecnologias para o embarque e desembarque de passageiros em cadeira de rodas, que são dependentes de uma harmonia na altura das plataformas, com margens de tolerância reduzidas. 

Pavimento tátil 

O plano deve estabelecer uma ação de desenvolvimento de um padrão de pavimento táctil para uso por parte de pessoas cegas e amblíopes, que deve ser criado em coprodução com pessoas com deficiência, especialmente o alvo desta solução, pessoas cegas e ambliopes, de forma a ser efetivamente funcional. Deve também ter em conta os standards atuais, noutros sectores, como o urbanismo, em Portugal e noutros países europeus. Após ficar definido, este padrão deve ser aplicado a todas as estações, sem exceções. 

Informação clara e precisa 

A informação deve ser simplificada de forma a que as pessoas a compreendam efetivamente. Atualmente ainda é difícil perceber horários, ligações, navegar nas estações, etc. É importante que o plano estabeleça a necessidade de se estudar um padrão de informação que deve ser adotado em todo o país, independentemente do operador ou do gestor da infraestrutura. 

Devem ser adotadas medidas para que a informação sobre meios de acesso, como elevadores, esteja disponível em tempo real de forma simples e cómoda, promovendo um planeamento das viagens mais fiável e eficiente. 

Instalações com comodidades acessíveis, incluindo energia 

Todas as estações devem ser, além de totalmente acessíveis, guarnecidas com o pessoal necessário a todas as operações, incluindo apoio a passageiros/as com deficiência, quando necessário. As estações devem, quando apropriado, ser dotadas de casas de banho efetivamente acessíveis, adotando os melhores padrões para as mesmas, incluindo, sempre que possível, o padrão “Changing Places”

Sempre que haja salas de espera, estas devem fornecer um espaço climatizado, com ruído reduzido, pontos de carregamento com capacidade para alimentar equipamentos pessoais, e disponibilizar assentos para as pessoas esperarem comodamente sentadas. 

No caso de haver bilheteiras ou postos de apoio ao cliente, ou outros que atendam pessoas, estes devem ser acessíveis e ter pessoas disponíveis a prestar o apoio necessário aos/às passageiros/as que o requisitem. 

No caso de existirem outras instalações, como estabelecimentos de cafetaria ou restauração, lojas, supermercados, etc., estes devem ser obrigados a cumprir toda a legislação sobre acessibilidade e assumir os mesmos standards aplicados às infraestruturas ferroviárias. Devem, igualmente, ter atendimento acessível e pessoal disponível para prestar apoio aos/às passageiros/as que o requeiram nesse estabelecimento. 

Comboios 

Nivelamento dos comboios com as plataformas de 900mm, para entrada sem degraus ou rampas 

Todos os comboios novos devem ser alinhados com as plataformas e ter meios para entrar e sair sem ser necessário o uso de rampas ou outros equipamentos dependentes de terceiros para o efeito. Este alinhamento deve estar relacionado com o das plataformas, de forma a que não seja necessário o uso de outros meios acessórios onde é necessária a presença de pessoal das empresas para o operar. Devem existir meios de embarque e desembarque alternativos para a fase de transição, até todas as estações estarem conforme o standard dos 900mm de altura. 

Históricos 

Devem ser adotadas medidas que visem a adaptação de material circulante histórico afeto a serviços turísticos, de forma a ser possível a qualquer pessoa marcar viagem nos serviços turísticos que usam este material. Neste caso, devem ser analisadas soluções que possibilitem o combinar da manutenção da traça e características visuais dos comboios adaptados, sem, no entanto, vedarem o acesso aos mesmos. 

Serviços 

Informação 

A informação sobre serviços, horários, opções de transporte, preços, promoções e outras inerentes ao uso de serviços e infraestruturas ferroviárias devem estar disponíveis ao público de forma acessível, imediata e sem necessidade de procedimentos especiais. Todos os meios de comunicação devem ser acessíveis, ou caso não seja tecnicamente possível, ter uma opção acessível. 

Da mesma forma, toda a informação sobre os direitos e opções dos/as passageiros/as devem ser disponibilizadas em formatos acessíveis. 

Turn up and Go 

Para quando é estritamente necessária assistência no embarque e desembarque, deve ser possível a qualquer pessoa apresentar-se numa estação e requisitar o apoio necessário. O plano deve estabelecer uma meta clara de redução dos atuais tempos de marcação de assistência para o mínimo indispensável à colocação dos equipamentos necessários. 

Aquisição de títulos de transporte 

Todos os modos de aquisição de títulos de transporte devem ser acessíveis a toda e qualquer a pessoa, sem necessidade de procedimentos extraordinários. 

Ligações 

As ligações entre os diversos serviços ferroviários é de extrema importância para as pessoas com deficiência que, por diversos motivos, têm mais dificuldades em mudar entre comboios e até entre meios de transporte. Neste sentido, o plano deve promover a existência de uma melhor coordenação entre os diversos serviços e meios de transporte. Sempre que necessário, os serviços de assistência devem prestar apoio, também, a situações de mudança entre comboios. 

Pessoal 

As pessoas que trabalham em contacto direto com passageiros/as devem ter formação adequada para o atendimento e funcionamento dos equipamentos necessários à assistência a pessoas com deficiência. Os/as funcionários/as devem ter a formação adequada de modo a evitar práticas discriminatórias para com as pessoas com deficiência, quer ao nível de procedimentos, quer ao nível da linguagem utilizada. 

Perturbações no serviço 

Sempre que existam perturbações que resultem em atrasos, estas devem ser efetivamente comunicadas de forma acessível a todos os/as passageiros/as, quer a bordo dos comboios, quer nas estações, por via sonora, visual e/ou presencial. 

Caso a perturbação implique transbordo para outro comboio, ou o uso de um meio de transporte alternativo de substituição, estes devem ser igualmente acessíveis ou ser fornecido um meio de transporte acessível que responda à necessidade de transporte do/a passageiro/a, sem penalização financeira para o mesmo. 

Reclamações 

Devem ser disponibilizadas formas de se exercer os direitos dos/as passageiros/as de forma expedita e acessível. Todos os mecanismos de reclamação, pedidos de justificação, pedidos de devolução, pedidos de alteração, etc., devem ser disponibilizados em formato acessível e os serviços presenciais devem adaptar-se de forma a responder às necessidades dos/as passageiros/as.