Entrevista com Antonio Centeno

Posted on: 29 Janeiro, 2020
Homem de calo comrido castanho e barba grisalha, sorrindo ligeiramente e sentado numa cadeira de rodas elétrica. A sua mão esquerda está apoiada no apoio de braço e a sua mão direita está ao lado do comando da cadeira. O homem encontra-se numa sala com uma planta grande e quadros no fundo.

Convive com a sua tetraplegia desde os treze anos, mas não procura inspirar ou emocionar ninguém. Farto de Ramons Sampedros e Pablos Echeniques, Centeno reivindica a vida quotidiana invisível e defende a importância de controlar os suportes necessários para ser livre. Do ativismo reivindica a politização da diversidade funcional e vê a sexualidade como a chave para abrir portas para esse processo. Exige mudanças culturais e sociais que obriguem as pessoas a parar de falar sobre deficiência para entender que o problema é, acima de tudo, um sistema projetado para a normalidade estatística. Nesse sentido, começou a colaborar com produções audiovisuais como Yes we fuck, Vivir e outras ficções ou, mais recentemente, com o programa Trèvols de 4 fulles, de Betevé, vencedor do Prêmio Zapping 2019 para a televisão local. Centeno tem um discurso crítico e transformador sobre diversidade funcional, uma perspectiva difícil de encontrar hoje, tanto à direita quanto à esquerda.

Substituir a deficiência pela diversidade funcional vai além da etimologia?

Na medida que mudando as palavras, também orientamos o pensamento noutra direção. Não falamos mais sobre o que a pessoa pode fazer, mas sobre quem somos e como funcionamos de maneira diferente e que precisamos organizar-nos socialmente para lidar com essa realidade.

O que significa para ti ter uma vida independente?

É um termo histórico e seria mais apropriado falar em interdependência. Não se trata de fazer as coisas sozinhos, mas ser responsável e controlar os apoios de que necessites. É muito importante, porque passas de ser um objeto para ser um sujeito.

A história sobre diversidade funcional não ajuda esse novo visual?

No mundo académico, diz-se que a deficiência é uma construção social e cultural. A partir daqui, temos que decidir se queremos ver as pessoas como um problema em si mesmas – porque não são como pensamos que deveriam ser – ou se, como actualmente é o caso, esse ambiente social não é o mais adequado.

Também denuncias o que chamas pornografia inspiradora

Refere-se à ideia de que nos é atribuído o papel de inspirar os normais. Esse exibicionismo da superação não ajuda a transformar nada, mas a perpetuar esse modo de vida em segunda mão.

Nesse sentido, o que você acha do sucesso do filme Campeões?

Traz coisas muito positivas. No entanto, há inércias que perpetuam certos estereótipos. Por exemplo, o fato de que em todo o filme não há uma única palavra sobre discriminação, opressão ou política.

A diversidade funcional está pouco politizada?

Há uma tentativa de despolitizar e naturalizar a dependência. Enquanto for um problema pessoal, nenhuma política estrutural é necessária para alterá-lo. Por outro lado, existe toda a indústria da deficiência que vive da dependência. Além disso, em qualquer grupo oprimido é sempre difícil consciencializar os oprimidos de que o são e que têrm o direito de não o ser.

Que formas existem para politizar a diversidade funcional?

Existem muitas, mas é preciso entender que não estamos diante uma questão técnica. De que adianta podermos entrar nos bares porque têm rampas se ninguém quiser conversar connosco depois? A questão de fundo tem a ver com o sistema de valores que precisa ser alterado. Portanto, precisamos pôr um fim às políticas que criam espaços segregados e fazer um trabalho que abarca tudo, desde a educação ao cinema, televisão, literatura ou qualquer outra área da cultura.

Porque à esquerda se fala pouco sobre diversidade funcional?

Assumindo que a pessoa com diversidade funcional é oprimida por um sistema capacitista, certamente um discurso muito poderoso seria construído. Mas albergam-nos nos universos paralelos de escolas especiais ou centros de trabalho protegido, o que nos exclui das esferas social, sindical ou política.

Com o slogan “aborto selectivo não, aborto livre sim!”, O que você pretende reivindicar?

Eu digo que os motivos pelos quais uma mulher decide fazer um aborto são os dela. Outra coisa é quando um texto legal é aprovado que declara: “Não podes abortar a menos que o feto tenha estas características”. Bem, então através dessa suposição constrói-se um discurso negativo sobre pessoas com diversidade funcional, quando a solução exige reconhecer o direito ao aborto livre.

Normalizar a sexualidade das pessoas com diversidade funcional pode ser um antídoto para quebrar os preconceitos atuais?

Sem dúvida. Precisamos pôr um fim ao olhar infantilizador sobre a diversidade funcional e tornar visível que todas as pessoas são sexuais, seja como for. Na medida em que não nos vejam como crianças, ficará evidente que as situações de dependência são motivadas por decisões políticas e sociais. Em vez de apresentar a sexualidade como um problema para nós, temos de entendê-la como um motor muito potente de melhorar a vida.

Leia o artigo original publicado no número 474 de “Directa”.

Foi traduzido a partir da versão em Catalão por quem não sabe Catalão. Pedimos desculpa se existem imprecisões.