Vermelho: Do Natal ao São Valentim

Grupo de pessoas presente no encontro Natal Vermelho

No dia 13 de dezembro de 2024, o CVI deu início às festividades de fim de ano com um evento chamado Natal Vermelho. Neste dia, na delegação do Norte, diversas pessoas aqueceram o espaço com boa disposição, sorrisos e acima de tudo disponibilidade e abertura para falar, sem tabus, sobre sexualidade. Sexualidade essa que, segundo a Organização Mundial da Saúde (2006), inclui pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores, comportamentos, papéis e relações. Sexualidade essa que é um domínio da saúde – saúde sexual – e que por isso requer uma abordagem positiva, respeitosa e “a possibilidade de ter experiências sexuais agradáveis e seguras, livres de coerção, discriminação e violência” (OMS, 2006: 5), mas também um direito, para muitas pessoas, ainda negado ou invisibilizado.

Entre apresentações, as pessoas partilharam o que de si têm de mais sensual e o que de sensual as atrai noutras pessoas. A diversidade de respostas instalou-se e, no meio da pluralidade, refletiu-se sobre o que é a beleza, como cada pessoa se sente atraída por características e dimensões diferentes e como se pode até admirar algo (ou alguém) belo sem sentir atração pelo mesmo. O padrão de beleza e a fantasia social de perfeição que as pessoas tendem a buscar ou a tentar replicar, em cópias todas elas diferentes desse original inexistente, foram questionadas. O grupo partilhou como a falta de representação cultural da deficiência ou, quando existe, a tendência de representação de pessoas com deficiência em meios de comunicação social com uma narrativa fatalista de tragédia pessoal, bem como a ausência de modelos de vidas afetivo-sexuais positivos de pares, podem ter impacto nas vivências pessoais, alimentando um sentimento de isolamento.

De tema em tema a conversa fluiu, revelando-se como o pequeno grupo apresentava experiências múltiplas e como a sexualidade podia ser vivida de formas tão distintas. Ao falar-se de sexualidade não se falou só de sexo, abordou-se a importância do afeto e dos sentimentos, mas sim, também se falou de sexo! Falou-se de como o sexo não se limita a penetração e de como o que as pessoas tendem a chamar preliminares – o beijo, a língua, o toque, a pele, os olhares, as palavras – são tão ou mais eróticos e prazerosos. Falou-se como a criatividade, que pessoas com deficiência tão aguçadamente tendem a desenvolver para superar as barreiras que o meio impõe, pode ser potenciadora da vivência da sexualidade e da experiência do prazer.

A masturbação também foi um tema central. Por um lado, o papel que tem no auto- conhecimento. Por outro lado, a falta de privacidade ou as dificuldades de acesso ao próprio corpo, que podem restringir a auto-exploração e descoberta. Daqui emergiu o debate sobre assistência sexual, apoio no domínio da sexualidade a pessoas com deficiência. Salientou-se a importância deste direito, ainda por alcançar em Portugal, para assegurar o acesso ao próprio corpo da pessoa, através da masturbação; para apoiar nos momentos antes, durante e depois de relações sexuais com outras pessoas; e, ainda, para possivelmente experienciar outras práticas. Refletiu-se sobre a distinção da figura de assistente sexual e de assistente pessoal, concordando que ambas são essenciais e revolucionárias para cada pessoa exercer desejos e vontades.

A hora já ia avançada, mas houve tempo para falar de pornografia e brinquedos sexuais. O encontro do Natal Vermelho acabou, mas como dizem “natal é todo o ano”, por isso, com a certeza de que muito ficou por pensar, por dizer e por partilhar, foram recolhidas ideias de temas a explorar em sessões de encontro futuro. Essas sessões serão divulgadas ao longo do ano, adotando um formato alternadamente online e presencial.

Agora, chegando a fevereiro, o mês do amor e o tão celebrado dia de São Valentim, o vermelho espalha-se, tal como aconteceu no Natal, por toda a parte. Desta vez, balões, caixas de chocolate, flores e corações vermelhos substituem o Pai Natal. Mas não podemos esquecer que o amor, a paixão e o erotismo ainda não são para toda a gente. Para pessoas com deficiência a sexualidade é muitas vezes um vermelho de proibição. Que essa proibição seja transformada em liberdade, da cor dos cravos na revolução de abril, e a sexualidade possa ser celebrada e vivida de forma livre e plena por todas as pessoas.

Poema de Manuel Francisco Costa, lido no final do encontro Natal Vermelho:

O beijo na boca.

O segundo.

O meu.

De uma Mãe Natal grata… A Marta!

Naquela meia luz, Somos nós,

Nus.

Uma só voz. Palavras soltas, Óleo às gotas,

Um corpo de arte. Manobras e voltas.

O deslizar da minha mão, Na tua pele,

Pelas tuas intimidades… És Lua e Marte.

Nudez de extremidades.

O chão é nosso,

Num ambiente quente, Musical.

Lá fora não importa. Outros magoam-te, Fazem-te de trapos, Mas eu não.

Alma que te conforta, Que te ouve,

Que te dá amor Sincero,

Sem pudor.

Princesa do meu Natal.

Desapertei-te.

Despi-te como um bombom. Obscenidades nossas, Sorrisos sinceros

Num só tom. Gemidos queridos, Doces desejos.

Quero-te tanto Colada a mim

Num tempo sem fim.

És feita de cetim.

Procuras-me?

Escreves-me?

Preciso de ti!

Confia?

Fica em mim! Princesa da alma Que me acalma. Oásis se fim.

Serei teu

Enquanto me quiseres.

Amigos eternos? Amantes ternos?

Ficas?

Ana Rocha Pinho

18 de janeiro de 2025