Deficiência, prazer e envelhecimento: O princípio do prazer

Image by: María del Río

Texto original aqui

Ultimamente, o meu rabo tem estado um pouco maltratado. Infelizmente, não por uma boa causa. Como utilizadora de cadeira de rodas há mais de 40 anos, normalmente, passo o dia inteiro sentada, exceto enquanto estou a dormir.

Ao longo da minha vida, utilizei uma grande variedade de almofadas. Quando era criança, os meus pais não sabiam do que eu precisava, e eu sentava-me em tapetes tecidos e outras superfícies rígidas, que não são saudáveis para um rabo que precisa de ser reposicionado para melhorar a circulação e prevenir feridas de pressão.

Quando as almofadas para cadeiras de rodas evoluíram para modelos insufláveis, eu pensei que o meu rabo ficaria bem. Com o passar dos anos, o meu rabo tornou-se uma zona ossuda e flácida, com pouca gordura e músculo.

O meu rabo não é uma maçã suculenta e apetecível para alguém lamber, acariciar ou penetrar. Nunca lhe prestei atenção, exceto por questões de saúde; não era uma parte do meu corpo que eu admirasse ou da qual eu gostasse. A única função do meu rabo é manter-me em posição vertical, permitindo-me fazer tudo o que quero.

Recentemente, as tuberosidades isquiáticas, também conhecidas como os ossos de sentar, começaram a ficar tão salientes que apareceram algumas crostas no meu rabo. Nada de preocupante, ou pelo menos foi o que eu pensei. As crostas rapidamente evoluíram para escoriações abertas – manchas rosadas e vivas, em ambas as nádegas, que me deixaram em pânico.

Como muitas pessoas que utilizam cadeira de rodas, sei o como é fácil a pele deteriorar-se, como as escoriações podem ficar profundas, ao ponto de expor e infetar os ossos, tendões e músculos.

Há muitos anos, tive uma ferida de pressão no tornozelo que demorou oito meses a cicatrizar. Na altura, lembro-me de pensar que tinha sorte por não ser no rabo, após uma vida inteira sentada.

Agora, o pior tinha acontecido, e os meus maiores medos tornaram-se realidade. Não estava só preocupada com o facto de estas escoriações se transformarem em úlceras de pressão, mas elas também intensificaram a sensação de que eu era indesejável.

Devido ao aumento da dificuldade em engolir e respirar, tive uma hospitalização grave há dois anos, que resultou numa traqueostomia no pescoço ligada a um ventilador. Sou dependente do ventilador 24 horas por dia e utilizo uma sonda de alimentação para nutrição e hidratação. É um milagre estar viva, mas perdi a minha relação com o prazer.

As feridas vivas nas minhas nádegas só aumentaram o medo de um futuro sem prazer sexual. Respeito o meu corpo com deficiência, que foi perdendo força devido a uma doença neuromuscular progressiva, mas manteve-se resiliente, enfrentando múltiplas doenças graves, dores crónicas e encontros com a morte.

As minhas partes ossudas, curvadas e enfraquecidas têm-se mantido unidas por pura força de vontade de me adaptar e continuar a viver o melhor da vida. Sou grata ao meu corpo, mas será que o amo? Sei que deveria, mas há momentos que são muito desgastantes, uma crise atrás da outra, ou junto com outras preocupações médicas importantes.

Nos Tempos de Antes, conseguia dar prazer a mim mesma com grande criatividade e destreza. Devido a contraturas musculares, os meus cotovelos estão fechados, o que faz com que seja difícil para as minhas mãos alcançarem os meus genitais.

Da primeira vez que me masturbei, lembro-me de, no calor do momento, molhada e excitada na cama, não conseguir tocar no meu clitóris com as mãos. E então percebi que a bracelete do meu relógio tem um formato firme e curvo. Tirei-a e atirei-a para baixo, com a minha mão a segurá-la como uma cana de pesca à espera de sentir alguma coisa. Deslizei-a por baixo do meu pijama e, lentamente, comecei a acariciar o meu clitóris, movendo a pulseira para cima e para baixo até ter um orgasmo.

A suar, com doce alívio, desci mais um pouco e consegui colocá-la na minha vagina, escorregadia de secreções, e aproveitei as sensações enquanto a movia para dentro e para fora, tendo o cuidado de não a soltar e deixar cair, o que violaria minha privacidade ao ter de pedir a alguém que a viesse apanhar para mim.

Eu não estava (e ainda não estou) num lugar onde me sentisse confortável em ter uma pessoa que cuida de mim a segurar na bracelete do relógio, ou até, posteriormente, num vibrador. No entanto, muitas pessoas com deficiência têm estas pessoas a auxiliá-las na atividade sexual, desde prepará-las, posicionar os seus corpos e limpar depois.

Mais tarde, para continuar a masturbar-me discretamente quando morava com família, procurei vários vibradores de clitóris e encontrei um que parecia uma caneta, que podia ser facilmente alcançado e escondido à vista de toda a gente.

Quando estava sentada ao computador, com ele conseguia masturbar-me sozinha. Pegava num lápis e enrolava-o na ponta superior do vibrador várias vezes com fita. Preso ali, o vibrador conseguia chegar ao meu clitóris sem muito esforço. Inclinava e reclinava a minha cadeira e colocava uma base de copos de cartão — daquelas que se encontram em bares — sobre o lápis.

Guiando a base como um joystick, aplicava pressão e estimulava-me de diferentes ângulos, girando-o ou movendo-o para frente e para trás. Era precário masturbar-me dessa forma, com a possibilidade de partes do meu kit de clitóris caírem ao chão, ou os meus pais passarem e ouvirem o barulho.

Valeu a pena de todas as vezes – tive orgasmos diversas vezes com a satisfação de aquela invenção [vinda da criatividade “def”] me proporcionar tanto prazer. Se pudesse, daria um high five a mim mesma depois de cada sessão.

Embora eu nunca tenha feito sexo com outra pessoa, não me sentia virgem. Eu era uma fera sexy que dava prazer a mim mesma, totalmente nos meus próprios termos.

Esse prazer pertencia a mim e somente a mim.

Cerca de um ano antes da hospitalização, ficou mais difícil ter orgasmos devido à peri-menopausa. Mesmo com um adesivo hormonal, tudo era diferente, juntamente com a progressão da minha deficiência.

Fiquei completamente afastada do prazer nos meses em que voltei para casa – naquilo que se tornou os Tempos de Depois. Havia pouco tempo ou desejo de me masturbar, ou de ter pensamentos sobre outros tipos de prazer, tinha de me curar e de me ajustar a um corpo ciborgue radicalmente novo, com necessidades médicas complexas, que já não parecia ser meu.

Enquanto outras pessoas pensam nos seus corpos como parques de diversões, o meu é uma mina armadilhada. Passei por diversas experiências fisicamente desagradáveis, que resultaram em muitas idas às urgências. Continuo a processar traumas, perdas e sentimentos de vergonha e nojo em relação ao meu corpo, apesar da confiança inata e do ego saudável que tenho de sobra.

Estas contradições e tensões podem coexistir simultaneamente. Ao olhar para as fotos das minhas úlceras de pressão, fiquei horrorizada ao ver a pele castanho-escuro e áspera da minha zona perineal e dos genitais. Não era nada do que eu imaginava ali em baixo. Estes sentimentos não nascem da vaidade; são mais profundos do que isso, e continuo a lutar com eles até hoje.

Por alguma razão desconhecida, fiquei incontinente após a hospitalização. Uso um cateter várias vezes ao dia, o que exige que uma grua me transfira da cadeira de rodas e da cama.

O que costumava levar apenas alguns minutos na casa de banho, leva, agora, quase uma hora. A minha vagina é borrifada, esfregada com iodo e limpa. Uma pessoa abre os meus lábios vaginais, inserindo um cateter de plástico com lubrificante na minha uretra. Depois, sou borrifada e limpa novamente para evitar infeções do trato urinário.

Também tenho incontinência fecal, o que não é nada divertido. Durante a noite, quando a máquina de alimentação está conectada ao meu estômago, eu cago num grande resguardo que fica na cama. Costumava sentir a agitação no meu intestino e fazer força quando necessário, mas agora simplesmente acontece, até mesmo quando estou a dormir. Cocós imprevisíveis que me deixam nervosa com o pensamento de um possível problema na pele sem que eu saiba, até acordar para aspirar as secreções dos pulmões, virar de lado ou usar o cateter novamente.

O trauma constante de um cateter introduzido na uretra e áreas em redor, a abertura dos lábios vaginais, a limpeza e desinfeção da vulva e do ânus medicalizaram os meus genitais, por força da necessidade. Isto mudou as sensações físicas reais do meu clitóris, anestesiando-as até deixar de sentir por completo.

Já não sou uma fera sexy, mas sim uma doente desgastada a tempo inteiro, o que me deixa com muita raiva.

Encontrar e recuperar o prazer é importante para mim, ainda mais agora, já que fiz 50 anos este ano e estou oficialmente na menopausa.

Nos Tempos de Antes, eu e um amigo meu que tem deficiência conversámos sobre ir a uma festa fetichista. Pergunto-me como seria se eu fosse a uma agora, na minha situação atual, com todas as máquinas e tubos ligados a um corpo encolhido, ossudo, mas flácido, com feridas abertas no meu rabo.

Por causa, não apesar, do atual estado da minha saúde, ainda anseio por prazer. Mãos a acariciar as minhas coxas, dedos a correr pelo meu cabelo, um braço à volta da minha cintura. Quero tocar, provar, sentir tudo. O meu corpo deformado a contorcer-se de prazer em vez de dor.

Para citar a inimitável canção de Janet Jackson ‘The Pleasure Principle’:

You might say that I’m no good

[Poderias dizer que eu não sou bom/boa]

I wouldn’t trust your looks, baby, if I could

[Não confiaria no teu olhar, amor, se pudesse]

I got so many things I wanna do

[Tenho tantas coisas que quero fazer]

Before I’m through

[Antes de terminar]

O prazer das pessoas com deficiência não conhece limites, trazendo uma intimidade que vai além do amor romântico, dos genitais ou do sexo penetrativo. O meu princípio do prazer é expansivo, baseado em flexibilidade, acesso, abertura e inovação – embora, neste momento, eu esteja focada na estimulação do clitóris.

Se eu tivesse alguém, essa pessoa não aceitaria, apenas, o meu corpo, mas venerava-o, juntamente com tudo o que sou.

O meu cérebro, o maior órgão sexual, mantém-se tão perverso como sempre. No entanto, é desgastante resistir a todas as forças que encontro enquanto mulher asiática-americana com deficiência: opressão estrutural, capacitismo médico, barreiras no ambiente social e físico, inseguranças pessoais e medos. Resistência ao inevitável ataque cumulativo do envelhecimento e da deficiência progressiva.

À noite, depois de a pessoa que cuida de mim me introduzir o cateter mais uma vez, ligar a máquina de alimentação, colocar as almofadas estrategicamente debaixo dos meus braços e das minhas pernas, puxar o cobertor para cima de mim, apagar a luz e fechar a porta, sinto-me exausta, sozinha e vulnerável. Estou rodeada de pessoas que me amam, mas há um vazio.

É a ausência de prazer, ou será algo mais? É a ausência de alguém para amar e cuidar que me retribua, que me queira pelo meu corpo e pela minha alma? E se estiver a faltar alguma coisa por completo na minha vida?

Luto com estas questões e não sei o que o futuro me reserva. O que eu sei é que a minha vida é cheia, e ainda tenho capacidade para dar e receber o que o universo colocar no meu caminho.

Querido Prazer, tenho saudades tuas, meu bem! Não é um fracasso se nunca mais nos encontrarmos, mas anseio por ti noite e dia. Teremos um final feliz juntos?

Se regressares de outra forma, vou receber-te de braços abertos, que és a minha alegria.

Sempre com amor, Alice.

Alice Wong