Intervenção do CVI em Audição Pública sobre o Estudo do Regime de Reforma Antecipada para Pessoas com Deficiência

Posted on: 22 Outubro, 2021

Na passada terça-feira, dia 19 de outubro, decorreu a Audição Pública sobre o Estudo do Regime de Reforma Antecipada para Pessoas com Deficiência. Foram convidadas múltiplas organizações de pessoas com deficiência para falaram do tema durante duas horas e 30 minutos. Foram dados 5 minutos de intervenção a cada uma das organizações, o que é, claramente, insuficiente para debater um tema desta magnitude.

Deixamo-vos a intervenção de Jorge Falcato, presidente do Centro de Vida Independente. Tendo a nossa intervenção sido interrompida, deixamos também o texto completo para saberem o que ficou por dizer.


Senhoras e senhores deputados

Antes de mais gostava de constatar uma questão que me parece relevante.

Começou-se a falar neste parlamento da antecipação da idade de reforma para os trabalhadores e trabalhadoras com deficiência em 2016. Proposta que foi por várias vezes apresentada e inviabilizada. Estamos em 2021. Cinco anos depois parece existir um consenso entre os partidos com representação parlamentar sobre  a necessidade de legislar a antecipação da idade de reforma das pessoas com deficiência.

É de saudar esta evolução. Os trabalhadores e as trabalhadoras com deficiência precisam que se faça justiça. A comunidade das pessoas com deficiência que sempre apoiou esta ideia não pode esperar mais tempo por uma solução.

Existem evidências, e todos nós que vivemos com uma deficiência sabemos que no caso das pessoas com deficiência existe um o envelhecimento precoce. Que o processo normal de envelhecimento é acelerado pelo agravamento das nossas incapacidades e frequentemente complicado devido a uma vida inteira de mobilidade reduzida, pior estado geral de saúde, medicamentos, cirurgias, etc.

Sabemos que viver e envelhecem com uma deficiência de longo prazo têm uma elevada prevalência de condições de saúde secundárias tais como: dor, cansaço ou fraqueza, depressão, perturbações do sono, problemas de memória e de atenção, problemas intestinais e urinários, úlceras de pressão, sobrepeso e obesidade, entre outras que implicam também uma diminuição da esperança de vida.

São  muitos os estudos que constatam esta realidade. Darei só dois exemplos. Estudo realizado na Holanda sobre os riscos de mortalidade associado à deficiência conclui que as pessoas com deficiência têm uma esperança média de vida aos 55 anos inferior 6 a 10 anos quando comparada com as pessoas sem deficiência.

Na Coreia, embora se registe um aumento da esperança de vida das pessoas com deficiência, tal como para  a população em geral, tendência que podemos generalizar a todo o mundo, num estudo realizado entre 2004 e 2017 a diferença da  esperança média de vida das pessoas com deficiência mantinha-se extremamente elevada com 16  anos de diferença face às pessoas sem deficiência.

Outra conclusão deste estudo foi que, embora as próprias deficiências causem o excesso de mortalidade, também é possível que outros fatores associados, como a pobreza, desvantagens socioeconómicas, maus comportamentos de saúde associados a condições incapacitantes, sofrimento psicológico, menor apoio social e acesso limitado a serviços de saúde também contribuem para que a mortalidade entre as pessoas com deficiência seja tão elevada.

Estranhamos que o estudo apresentado não tenha refletido sobre esta realidade. Numa altura em que a idade da reforma todos os anos sobre porque está indexada à esperança média de vida, não entrar em consideração com factos que estão estatisticamente comprovados parece-nos uma evidente lacuna que há que preencher.

Mas esta não é a única razão da necessidade de antecipar a idade de reforma. Como já referi inicialmente verifica-se um envelhecimento mais acelerado nas pessoas com deficiência. Insistir na manutenção da idade de reforma nos 66 anos é obrigar pessoas a irem trabalhar em sobreesforço, com dores, sem as condições fisícas e psicológicas para realizar o trabalho.

Diz-se no estudo que as regras de formação da reforma levariam a que o valor das pensões situar-se-ia abaixo do limiar de pobreza para mais de metade das pessoas abrangidas. Pois não não será de admirar.

Não tenho dados actuais sobre os rendimentos declarados à autoridade tributária pelas pessoas com deficiência. Só tenho os dados relativos a 2016 e nessa altura 50% das pessoas com incapacidade entre os 60% e os 89% tinham rendimentos até 7.000 euros anuais. O mesmo verificava-se para 65% dos que têm incapacidade de 90% ou mais. Mesmo antes de aplicar a formula de formação do valor da reforma arriscaria dizer que os rendimentos destas pessoas já se encontra na sua maioria abaixo do limiar de pobreza.

No entanto, para além de tudo o que já referi sobre a justeza e necessidade de diminuir a idade de acesso à reforma há ainda de referir que as pessoas com deficiência pelas mais diversas razões, entram mais tarde no mercado de trabalho, interrompem a carreira contributiva devido a internamentos, etc., tendo carreiras contributivas mais curtas, na maior parte das vezes devido a condicionantes que não são da sua responsabilidade. Assim, sabendo-se que a maioria das pessoas com deficiência  tem baixos rendimento e condicionamentos que impedem longas carreiras contributivas, Basta ver os dados sobre quem solicitou pensões por invalidez  de 2016 a 2019 que variou entre os 21,5 e os 22 anos de carreira contributiva e idades entre os 55,2 e 57 anos nas . Pessoas que, mesmo sabendo que iriam ter uma baixa de rendimentos, não aguentavam mais. Esta é a realidade. Há, sem qualquer dúvida, que alterar a forma de cálculo da pensão introduzindo uma majoração que compense esta situação adversa.

Envelhecimento precoce, menor esperança de vida e dificuldades de acesso e manutenção de emprego com carreiras contributivas mais curtas é o que caracteriza e distingue as pessoas cm deficiência dos restantes cidadãos. Por isso devem ter uma situação de exceção no acesso antecipado à reforma, tal como as pessoas com profissões de desgaste rápido.

O que as senhoras e os senhores deputados têm de compreender, e agir em conformidade, é reconhecer o facto de que estas pessoas poderão não ter uma profissão de desgaste rápido, mas elas próprias são pessoas que se desgastam mais rapidamente.