A ENIL e o CVI exigem ao Governo que investigue a Cercibeja e a utilização de fundos Europeus

Posted on: 1 Julho, 2021

A Rede Europeia para a Vida Independente (ENIL) e o Centro de Vida Independente (CVI) exigem ao Governo que investigue a Cercibeja e a utilização de Fundos Europeus 

No fim de maio, o diretor da Cercibeja, uma instituição para pessoas com deficiência, no Alentejo, foi preso por suspeitas de abuso sexual de uma mulher com deficiência de 26 anos. Além das alegações de abuso sexual, a ENIL e o CVI encontraram evidências de que esta instituição recebeu Fundos Europeus para vários projetos. Isto aconteceu apesar do compromisso da Comissão Europeia em não investir em instituições, no sentido de apoiar a transição para a Vida Independente. 

Portugal tem um longo histórico de dependência no setor privado para prestar serviços às pessoas com deficiência, permitindo instalações segregadoras. Normalmente, estes locais oferecem formação específica para pessoas com deficiência, como jardinagem, ou trabalhos manuais, mais adequados a crianças. Em alguns casos, as pessoas com deficiência trabalham em projetos artísticos gratuitamente, embora estas instituições lucrem com esse trabalho. 

Para as pessoas que se encontram presas nestas instituições, denunciar abusos tem consequências. É frequente as pessoas sentirem-se pressionadas para não dizer o que se passa e serem ameaçadas de expulsão, sem qualquer tipo de apoio. Adicionalmente, a elevada dependência em relação a estes profissionais, devido à falta de assistência pessoal e outros serviços baseados na comunidade, torna mais difícil a denúncia, ou a prova, da prática de crimes de abuso sexual. 

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a violência caracteriza-se como “o uso intencional de força física ou de poder, por ameaça ou efetivo, contra o próprio indivíduo, outra pessoa, ou um grupo ou comunidade, que resulta, ou tem uma elevada probabilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, subdesenvolvimento ou privação” [1]. Os dados obtidos pelo projeto “DECIDE – Deficiência e autodeterminação: o desafio da vida independente em Portugal” mostram que 70% das vítimas de violência são mulheres e 47% têm deficiência intelectual. O tipo de crime é também significativamente diferente entre os dois géneros avaliados, com uma sobrerrepresentação das mulheres a experienciar violação, abuso sexual, tentativa de violação e ofensas à integridade física [2]

A Cercibeja recebeu fundos da União Europeia através de três projetos para “formação profissional de pessoas com deficiência”. Estes projetos, financiados pelo Fundo Social Europeu, foram financiados através dos seguintes programas operacionais: POISE-03-4229-FSE-000115 (2016/2018), POISE-03-4229-FSE-000166 (2017/2020) e POISE-03-4229-FSE-000278 (2019/2022). Detalhes adicionais estão, de momento, indisponíveis e foram requisitados pela ENIL através do mecanismo de “acesso à informação” da Comissão. 

Apesar de receberem financiamento europeu, a maioria das instituições é ainda financiada diretamente por pessoas com deficiência – com 90% do seu rendimento, no máximo. Adicionalmente, os seus serviços tendem a ser subsidiados pelo Estado, através do Orçamento de Estado. 

A segregação de pessoas com deficiência e o abuso de poder têm de parar. Os fundos da União Europeia e do Orçamento do Estado têm de deixar de ser usados para instalações segregadoras. As pessoas que vivem em instituições têm de ter acesso à Justiça e aquelas que abusam do seu poder contra as pessoas com deficiência têm de ser punidos. 

A ENIL exige ao Governo Português que: 

  • Investigue o alegado caso de abuso sexual na Cercibeja e que leve o/a(s) abusador(as/es) à Justiça; 
  • Providencie o apoio adequado à(s) vítima(s) de abuso e garanta que têm acesso a habitação e suporte comunitário, no sentido de poderem abandonar as instituições; 
  • Pare de usar fundos da UE para serviços em contextos segregadores e para a construção de instalações ou renovação de instalações que segregam pessoas com deficiência; 
  • Financie a Vida Independente, como assistência pessoal, serviços baseados na comunidade e habitação não segregada; 
  • Incorpore a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da ONU, na legislação nacional e preste particular atenção à implementação dos artigos 12 e 19, que são incompatíveis com a prática da institucionalização. 

Adicionalmente, exigimos à Comissão Europeia que: 

  • Fiscalize e investigue como, e onde, os seus fundos estão a ser usados, em Portugal e noutros Estados-Membros; 
  • Investigue como os Fundos Europeus foram usados na Cercibeja, tal como todas as ligações com o alegado caso de abuso sexual que ocorreu nesta instituição; 
  • Aplique sanções contra os Estados-Membros que usem Fundos Europeus na construção ou na manutenção de instituições segregadoras de qualquer dimensão. 

Texto no site da ENIL: https://enil.eu/news/enil-and-cil-portugal-call-on-government-to-investigate-cercibeja-institution-and-role-of-eu-funds/ 

[1] https://www.who.int/violenceprevention/approach/definition/en/ 

[2] https://ces.uc.pt/projectos/decide/docs/FFontes-ALTER_Lille_July-2018.pdf