Vacina contra a COVID-19: as pessoas com deficiência vão ser, novamente, esquecidas?

Posted on: 31 Dezembro, 2020

A crise pandémica da COVID-19 trouxe desafios globais impulsionadores de medidas de saúde pública específicas e altamente restritivas para todas as pessoas. Enquanto crise pandémica, obviamente, afetou também a realidade portuguesa. As medidas impostas são bem conhecidas: confinamento prolongado, recolher obrigatório, isolamento profilático, utilização obrigatória de máscara em diversos contextos, higienização frequente das mãos e, muito importante, distanciamento físico entre pessoas. Tomaram-se diversas medidas de caráter político – como a declaração de sucessivos estados de emergência, entre outras – que tiveram, não se pode negar, efeitos nefastos na vida dos/as cidadãos/ãs e na dinâmica da economia. A situação foi-se agravando desde março de 2020 até aos dias de hoje. As vagas de contágio replicaram-se. Aumentou, de modo preocupante, o número de mortes diárias, de internados em cuidados intensivos, de infetados. Desconhecem-se, ainda, as consequências das sequelas deixadas a quem este vírus assaltou. Face a este cenário alarmante, e bem, apressou-se a criação de uma vacina. Trata-se da representação concreta de uma esperança de que será possível voltar a viver: circular, abraçar, trabalhar sem que o medo deste vírus tenebroso nos assole física e psicologicamente.

Face a todas estas evidências, é com pesar e indignação que constatamos que, uma vez mais, continuamos esquecidos. Um grupo muito diverso e significativo de cidadãos/ãs cuja condição de existência dotada de múltiplas vulnerabilidades é inegável. Este esquecimento não é novo e, por isso mesmo, é merecedor da nossa mais profunda perplexidade.

Aquando e na decorrência de toda esta crise, foram atropelados, desmesuradamente, muitos dos nossos direitos, arduamente conquistados. Aspetos como processos de reabilitação, intervenção precoce, a garantia do acesso à educação foram interrompidos e/ou adiados no contexto pandémico sem a mínima atenção para as características/necessidades/expectativas que possuímos, contrariando a lógica tão proclamada de sermos um Estado Social. Esse esquecimento teve o seu expoente máximo evidenciado no plano de vacinação para a COVID-19 definido. Nesse documento, encontramo-nos na terceira e última fase de vacinação ou seja, só na segunda metade de 2021 é que conseguiremos estar imunes a este vírus tão ameaçador para nós, ao mesmo tempo que qualquer outra pessoa sem condições de saúde pré existentes associadas ou sem nenhuma patologia associada.

Lembramos que devido às nossas condições de saúde estamos confinados desde o mês de março com prejuízo ainda por contabilizar ao nível da nossa saúde mental, emprego, no acesso a serviços e contextos fundamentais na vida de qualquer pessoa. A nossa vida, de facto, quase que parou. Fomos e somos obrigados a cumprir, escrupulosamente, o confinamento. Mas estamos no nosso limite. Será difícil aguentar, por muito mais tempo, estas condições de vida.

Pensando nós que se estivéssemos institucionalizados teríamos acesso à vacinação muito mais cedo é a prova que o Estado português não compreende a pessoa com deficiência dentro da comunidade a que pertence. Felizmente, a lógica tem sido progressivamente diferente e a nossa presença na comunidade tem sido cada vez mais frequente. No entanto, não deixamos de ter as necessidades particulares da condição de deficiência. Estas necessidades vão desde: a dependência física quotidiana para cuidados pessoais, higiene, alimentação, entre outras; até casos em que se afigura impossível, por exemplo, a utilização de máscara ou a desinfeção regular das mãos de forma autónoma. Estas dependências agudizam os riscos de contágio quer para nós, quer para quem nos apoia.

Em suma, não conseguimos encontrar razão para não estarmos previstos nos grupos prioritários do plano de vacinação para a COVID-19. Tendo em conta que tem sido dito que esse mesmo plano pode ser ajustado a qualquer momento, apelamos que sejam previstas as pessoas com deficiência com quadros clínicos associados, não institucionalizadas e com idade inferior a 50 anos. Habituamo-nos desde cedo a arregaçar as mangas para conquistar direitos humanos fundamentais, pois que esse braço descoberto sirva agora para receber a vacina que nos permitirá retomar a nossa vida.