AMOR – POEMA

Evidências

Coloco-me diante de ti e por mais que queira evitar reparo no teu decote

Essa blusa ajustada revela os teus seios e a vontade de seres mulher

As pernas grossas defeituosas e sem vida arrepiam-se à mais leve brisa

Aproximo-me mais um pouco enquanto deixas descair a alça do sutiã preto

Cresce a ansiedade e quero-te ainda mais

Já nem sei se é um corpo deficiente ou se é simplesmente diferente

Nesse instante tudo se torna anormal

Tudo se torna em querer

Tudo se torna evidente

José Henrique Rocha


Entrelaçados

Passeio os lábios por ti tenho-te assim neste silêncio

Embaraço-me com o teu toque e paulatinamente os meus músculos ficam relaxados

Sobre a cama lado a lado de corpos despidos e entrelaçados conseguimos sorrir como parvos

Lemos poesia erótica e rasgamos páginas e versos simples porque somos complexos como Shakespeare

A nossa conversa descamba para obscenidades e beijamo-nos longamente

Deparamo-nos com as insuficiências dos nossos corpos incapazes e deformados que dizem desprovidos de sensualidade

Entretanto o desejo apodera-se de nós e o beijo tornar-se-á imenso

José Henrique Rocha 


Poema do semelhante

O Deus da parecença
que nos costura em igualdade
que nos papel-carboniza
em sentimento
que nos pluraliza
que nos banaliza
por baixo e por dentro,
foi este Deus que deu
destino aos meus versos,

Foi Ele quem arrancou deles
a roupa de indivíduo
e deu-lhes outra de indivíduo
ainda maior, embora mais justa.

Me assusta e acalma
ser portadora de várias almas
de um só som comum eco
ser reverberante
espelho, semelhante
ser a boca
ser a dona da palavra sem dono
de tanto dono que tem.

Esse Deus sabe que alguém é apenas
o singular da palavra multidão
Eh mundão
todo mundo beija
todo mundo almeja
todo mundo deseja
todo mundo chora
alguns por dentro
alguns por fora
alguém sempre chega
alguém sempre demora.

O Deus que cuida do
não-desperdício dos poetas
deu-me essa festa
de similitude
bateu-me no peito do meu amigo
encostou-me a ele
em atitude de verso beijo e umbigos,
extirpou de mim o exclusivo:
a solidão da bravura
a solidão do medo
a solidão da usura
a solidão da coragem
a solidão da bobagem
a solidão da virtude
a solidão da viagem
a solidão do erro
a solidão do sexo
a solidão do zelo
a solidão do nexo.

O Deus soprador de carmas
deu de eu ser parecida
Aparecida
santa
puta
criança
deu de me fazer
diferente
pra que eu provasse
da alegria
de ser igual a toda gente

Esse Deus deu coletivo
ao meu particular
sem eu nem reclamar
Foi Ele, o Deus da par-essência
O Deus da essência par.

Não fosse a inteligência
da semelhança
seria só o meu amor
seria só a minha dor
bobinha e sem bonança
seria sozinha minha esperança

Elisa Lucinda dos Campos Gomes

Poetisa, jornalista, escritora, cantora e atriz brasileira

Sugerido por Joaquim Roque