Amar com deficiência

Image by: Frederico Pompeu

Como sabemos, a 14 de fevereiro comemora-se o dia dos namorados em Portugal e em muitos outros países ocidentais.

Sejamos mais ou menos românticos, todos somos social e comercialmente influenciados e pressionados para mimar alguém nessa data. Há que dar asas à imaginação, abrir os cordões à bolsa e insuflar o romantismo; seja para não se ficar mal visto, seja para, genuinamente, se avivar e partilhar o afeto por alguém que o mereça.

O amor fervilha; fazem-se ou renovam-se juras de amor eterno; multiplicam-se os jantares à luz das velas; entrelaçam-se os pares românticos, soltam-se suspiros, vivem-se momentos de êxtase e de felicidade.

Mas será esta a realidade de todos/as nós? Estará este idílico cenário ao alcance de todas as pessoas que querem e que merecem amar e ser amadas?

Não! Sabemos bem que não…

Tenho como certa e consensual a convicção de que os afetos em geral, o amor e o sexo em particular, são componentes essenciais da essência e da vivência humana. São fontes de conexão, de prazer e de socialização. Potenciam a realização individual e coletiva. Devem, por isso, estar ao alcance de todas as pessoas, não podendo ser cerceadas, expressa ou tacitamente, a ninguém.

No entanto, a realidade nua e crua de muitíssimas pessoas com deficiência (da maioria, atrevo-me a dizer), demonstra que, também nestes aspetos e dimensões da vida, somos vítimas de enormes obstáculos e preconceitos.

A sociedade, cada vez mais moldada e escravizada por padrões de normalidade estética e funcional, totalmente supérfluos e restritivos, estigmatiza e marginaliza quem não se encaixa nessa padronização violenta e artificial. E, por consequência, as pessoas com deficiência veem-se limitadas e balizadas na sua existência e nos seus direitos vivenciais em função das suas limitações físicas, sensoriais, ou intelectuais, sendo-lhe negados, ou diminuídos, os direitos mais básicos, as suas intrínsecas capacidades, os seus legítimos sonhos e desejos.

Essa discriminação e exclusão, têm um impacto devastador e frustrante nas relações humanas em geral, na saúde física e emocional, na qualidade de vida das pessoas com deficiência vítimas dessa estigmatização.

Sabemos bem que a deficiência, nas suas múltiplas formas, confronta-nos com muitos obstáculos e desafios acrescidos para a realização de uma vida plena, igualitária, à medida das vontades e necessidades de cada pessoa.

Como agravante, temos uma imensidão de outras barreiras arquitetónicas e/ou comunicacionais, que limitam as oportunidades de socialização, facilitadoras de encontros e de relacionamentos amorosos.

O que muitos de nós ainda não sabemos e não interiorizámos, é que essas dificuldades e barreiras não resultam da deficiência em si. São, acima de tudo e sem sombra de dúvida, consequência da forma como cada pessoa individualmente, e a sociedade de uma forma geral, encara e reage à diferença, com atitudes e decisões retrógradas, preconceituosas e desinformadas.

E muitas vezes, devemos reconhecer, também nós, pessoas com deficiência, aceitando resignada e comodamente essa espécie de fatalismo com que nos habituaram e nos habituámos a viver, acabamos por ser cúmplices passivos das circunstâncias e comportamentos que nos vitimam, quando pouco ou nada fazemos para alterar esta triste e lamentável realidade.

De tudo isto resulta um impacto emocional profundamente traumatizante, que agrava sentimentos de exclusão, de injustiça e de solidão, diminuindo dramaticamente a autoestima e o bem-estar das pessoas com deficiência, que sofrem diariamente com as suas carências sociais, afetivas e sexuais.

E assim se sobrevive, se luta e se sofre com todas estas formas de discriminação e de privação, antidemocráticas e anticivilizacionais, socialmente construídas, enraizadas e impostas.

É neste contexto que a assistência sexual emerge como uma resposta transformadora e inclusiva, dando um contributo muito importante e facilitador para que as pessoas com deficiência, que a queiram e dela necessitem, tenham mais e melhores oportunidades de vivenciarem a sua sexualidade.

A assistência sexual consiste numa prestação de serviços, legal e socialmente aceite e regulamentada, exercida por profissionais formados e capacitados para ajudar pessoas com deficiência a desfrutarem da sua sexualidade e a viverem momentos de prazer, sem complexos de culpa nem preconceitos.

Para além de um serviço, é mais um sinal importante de que as sociedades que a aceitem e implementem, reconhecem o direito ao amor e ao prazer como inerente a todas as pessoas, derrubando conservadorismos arcaicos e abrindo caminhos para um futuro mais humano e igualitário.

Embora o tema da assistência sexual ainda seja um grande tabu e muito controverso em Portugal, é já uma solução com impacto muito positivo nalguns países e tem vindo a consolidar-se como mais uma resposta para promover a dignidade, a equidade e a qualidade de vida de muitos seres humanos.

A sexualidade não é um luxo, nem um capricho. É um direito básico, uma dimensão fundamental da fisiologia e da existência humana.

E a deficiência não impede, nem diminui, o desejo de amar e de ser amado. Quem o faz, na maioria das vezes, é a própria sociedade e as barreiras que dela emanam.

Viva a Vida! Viva o Amor!

A luta continua…

Joaquim José Roque – leiria@vidaindependente.org – (65 anos, deficiência motora desde os 24 meses, casado, uma filha e três netos – às vezes feliz, motivado e realizado, outras vezes triste, desiludido e amargurado – mas sempre resistente e inconformado)

janeiro_2025